Em Volta dos Objetos 01
21/07/2022
Em Volta dos Objetos (Around Objects) is the title of the space for conversations conceived by VICARA Studio, which calls for critical thinking about the world of Portuguese design from VICARA’s activity as a creative agency. This first conversation was spent thinking about the residency that VICARA held, in partnership with Loulé Criativo, in the Algarvian city. (Article in Portuguese)
Aconteceu no dia 9 de Julho o primeiro momento das conversas Em Volta dos Objetos, dedicada a pensar sobre a residência que a VICARA realizou, em parceria com o Loulé Criativo, na cidade algarvia. Contou com a presença e participação de Paulo Sellmayer - diretor criativo da VICARA, Fernando Poeiras - professor e investigador na área do design, os designers, Miguel Cardinho, Eneida Lombe Tavares e Samuel Reis, Joaquim Beato - Vice-presidente da Câmara Municipal de Caldas da Rainha, Maria Conceição Henriques - vereadora da cultura da Câmara Municipal de Caldas da Rainha e a artista Umbelina Barros.
Mesmo antes da conversa iniciar formalmente, Paulo Sellmayer e Fernando Poeiras discutiam as complexidades do modelo de residência que cruza designers e artesãos, e questionavam-se qual seria o objetivo deste tipo de iniciativas: capacitar, formar, desenvolvimento social, objetivos mercantis? Este pequeno prefácio marcou o tom da conversa e apontou para uma discussão acerca das problemáticas destes encontros, e que conclusões, ou que questões se devem levantar da experiência de cada um.
Eneida Lombe Tavares foi uma das designers convidadas pela VICARA a participar na residência artística em Loulé e comentava: ‘Neste momento, o que eu sinto, enquanto designer que gosta de pensar sobre os ofícios e sobre estes materiais e técnicas, é que há muitas coisas destas que se estão a perder, e que nós - geração mais nova - estamos com medo que elas desapareçam. No entanto, eu acho que há coisas que têm mesmo que desaparecer.’ Eneida referia-se tanto a determinados modos de produção, como também a modos de pensar dos artesãos, que impedem o desenvolvimento e a inovação na técnica em que estes são especializados. Seja por questões de tempo, capacidade física, ou até por falta de interesse numa exploração potencialmente mais criativa da sua técnica. Esta perceção é claramente possibilitada devido à vivência que a residência oferece entre os dois agentes - designer e artesão. Daí surge, como Eneida explica, uma relação em que é necessária uma abordagem humilde por parte do designer, que integra a oficina do artesão com o intuito de aprender a técnica e familiarizar-se com aquele modo de fazer. Esse primeiro passo, sendo ele feito com sucesso, é o que permitirá posteriormente a construção de uma relação profissional vantajosa para ambas as partes. Paulo Sellmayer corrobora mais tarde esta ideia, dizendo que ‘a residência é tempo de criar relação, contacto, estabelecer um processo que não dê frustrações no final.’
Maria Conceição Henriques mencionou a tendência de uma estética back to basics - e como essas técnicas, apesar de tradicionais e artesanais, poderão ser integradas numa produção contemporânea de design. Como comunicar aos artesãos que eles poderão ser beneficiados por participarem dessa tendência? Será isso um ponto de motivação para que haja mais abertura para esses processos serem repensados? E de que modo será possível responder às necessidades de um mercado que exige um retorno a estas técnicas, mas com um novo olhar - necessariamente moldado pela estética industrial - sobre as formas concebidas? A verdade é que, como Eneida refere, ‘ao nível dos ofícios e de uma certa história do artesanato, Portugal tem muito mais riqueza, do que propriamente na história do design industrial’. E será talvez isso mesmo - esse peso histórico e a importância que o artesanato ocupa tal como ele é conhecido a nível nacional - que será impeditivo de um desenvolvimento das técnicas no sentido de se cruzarem com a disciplina do design? Joaquim Beato intervém oportunamente, mencionando a sua experiência com a Molda - a empresa cerâmica que geriu durante três décadas - e lembrando o papel que o designer poderá ocupar nesta dinâmica: ‘o designer tem que ser um solucionador entre uma indústria e um mercado. É esse o papel fundamental de um designer - criar a relação, ou seja, entender a indústria e os seus princípios de trabalho, e o artesanato. (...) Um designer é realmente o grande elo de ligação entre o fazer e o mercado.’
Miguel Cardinho, outro dos designers que participaram na residência artística, conta também a sua experiência e refere logo à partida a importância da aprendizagem da técnica da caldeiraria. Por outro lado, no entanto, também refere que ‘é muito difícil trazer esse conhecimento aqui para Caldas’ pois existem certas ferramentas e técnicas que não são de fácil transposição. Miguel conta também um pouco sobre as expectativas que levou para a residência: ‘no meu trabalho costumo usar materiais reutilizados provenientes do lixo e neste caso, quando fui para a residência, pensei que ia trabalhar com o desperdício dos mestres mas aí percebi que eles não têm desperdício dos materiais.’ Uma intervenção que iniciou a discussão sobre as diferenças do custo financeiro e ambiental de cada uma das técnicas artesanais que os designers experimentaram: a caldeiraria e a empreita de palma.
Falando do trabalho de João Xará, Miguel Cardinho refere o cuidado que o designer teve em utilizar poucas quantidades de cobre no desenvolvimento das suas peças: ‘o João tentou criar objetos com o mínimo de material possível porque estamos a falar do cobre que é uma matéria muito cara.’ Fernando Poeiras toca também, mais tarde, neste ponto do valor da técnica artesanal: ‘Quando trabalhamos com crafts que são menores relativamente a isso, aí é que eventualmente se terá de sublinhar outro tipo de qualidades, como a identidade nacional.’ Perto do fim da conversa, os intervenientes chegaram mesmo a discutir sobre o valor dos produtos no mercado português. Será o valor da técnica que tem um impacto no valor económico? Eneida mencionou uma pobreza na produção, mas, como Fernando Poeiras argumenta, isso não tem necessariamente consequência no valor que determinado produto tem no mercado.
O professor intervém com a calma que lhe é conhecida, sublinhando a importância de pensar através das inteligências e imaginários das novas gerações. Em que direções e que movimentos estão a ser feitos no design e no artesanato? Mencionando a filósofa Isabelle Stengers, Fernando Poeiras coloca a ideia das virtualidades: ‘como olhar para as coisas a partir das suas virtualidades? Não a partir daquilo que são, nem propriamente das possibilidades que se vão desenvolver, mas das virtudes que podem ser exploradas de outras maneiras - tal como as nossas virtudes enquanto pessoas.’ E fazendo um contraponto com o texto que escreveu para o catálogo do projeto Experimenta o Campo (2006/07), onde aprofundou a ideia de ficcionar o artesanato, repara agora na necessidade de ficcionar também o design: ‘no fundo, ambos estão em movimento’.
Um assunto que foi trazido para a conversa por Paulo Sellmayer foi a integração de todo este processo de design e produção dentro da marca VICARA: ‘Mas a dificuldade que eu sinto, mesmo antes de chegar o produto ao mercado, é a de haver uma narrativa de construção de coisas que seja coerente com a marca, com os valores que defende e que os designers também defendem’ e refere o perigo que existe neste tipo de iniciativas, ‘o design também não pode ser extrativo neste tipo de exploração de técnicas artesanais muito territoriais’. Conversando sobre o que significa o genuíno e de que maneiras parece poder tocar na apropriação, o assunto é direcionado para o papel salvífico em que o design por vezes se coloca na relação que estabelece com o artesanato. Neste assunto, Miguel Cardinho refere que os artesãos não necessitam deste tipo de relação se ela for feita superficialmente - algo que no início da conversa tinha já sido referido relativamente às complexidades do modelo de residência. Muitos dos artesãos têm já a sua fórmula para manterem as vendas, que se baseiam em produções bastante simples e que encontram o seu público-alvo no turismo. No entanto, e como Paulo responde, é esse tipo de lógica que acaba por impedir a abertura para o pensamento crítico e inovador por parte dos artesãos: ‘o seu sucesso sabota a sua continuidade.’
Outra questão relevante que surgiu foi sobre os materiais utilizados nestas técnicas, e também como isso se liga a uma estética sustentável. No entanto, será mesmo assim? Como Miguel Cardinho refere, há um problema a esse nível quando se está a falar da caldeiraria, porque a extração do cobre é muitíssimo cara e nociva para o ambiente. Eneida também confirma um caso semelhante com a Palmeira Anã, de onde são retiradas as folhas para a empreita de palma – a matéria prima utilizada durante a residência não era abundante localmente, o que implicava que ela fosse importada de Espanha. Para além disso, há também a consciência de que a planta, caso aumente a exploração para este tipo de produção artesanal, pode entrar em vias de extinção. Nenhum material é neutro.
Também Samuel Reis e Umbelina Barros foram convidados a partilhar as suas vivências com estes materiais, e as opiniões de cada um sobre este assunto. Falou-se da memória que Samuel tem da palma ‘não tanto como objeto, mas como uma impressão, uma textura’, mencionado o uso doméstico que lhe davam, envolvendo-a no pão quando este ia ao forno. Umbelina Barros também sublinha a importância de conceber este tipo de processo de forma holística – alguém que participa em todas as etapas de produção e o modo como esse saber se interliga com a vida.